quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eliane Brum, minha heroína

Eliane Brum é uma das jornalistas mais premiadas do Brasil. Escreveu os livros: ColunaPrestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007), O Olho da Rua (Globo) e o primeiro livro dela de ficção, chamado Uma Duas(LeYa). Não li o ColunaPrestes, mas posso afirmar que os outros três livros são sensacionais. Fazem você chorar, rir, se apaixonar pelas pessoas, pensar sobre a vida e querer mergulhar nela. Esse texto é sobre a palestra que a Eliane Brum deu na livraria Cultura hoje, em Brasília.

Uma das primeiras coisas que ela falou na palestra foi sobre a importância da apuração na hora de escrever um texto jornalístico. Ela disse que pode ser o ganhador do Nobel de literatura, mas que se não for bem apurado e se não se apegar aos detalhes, o texto não sai. E então ela começou a falar daquilo que ela entende bem: os detalhes. Uma reportagem boa é quando você se teletransporta para o local, como se você estivesse frente a frente com o entrevistado ou com a situação. Ela falou com encantamento sobre o processo de observar cada detalhe de uma cena. Transcrever exatamente o cheiro, a luz, se o personagem estava roendo a unha, se o cabelo estava preso, os anéis, os sapatos, o sol e o silêncio. Muitas vezes o texto está nos gestos, nos olhares ou a falta de palavras. O exercício mais difícil talvez seja o de saber ouvir, algo que todas as pessoas deveriam aprender a fazer. Ouvir o outro sem esperar a sua vez de falar. Muitas vezes perguntamos algo já esperando a resposta, mas como jornalistas, temos o papel de ouvintes e nada mais. E quando se ouve bem, quando se enxerga o outro com novos olhos, sem esperar nada, conseguimos chegar mais perto da vida dele. É Exatamente como em um livro, que faz a mente viajar dentro da história. Um filme em letras. A vida de qualquer pessoa é uma história. E quando bem contada, faz qualquer um se emocionar.

Não demorou muito para eu começar a chorar, como eu faço na maioria das reportagens da Eliane Brum. Ela falava exatamente como ela escreve. E dava para ver pelos seus olhos e pelos seus gestos, a emoção de estar contando uma das experiências mais marcantes da profissão. E eu fiquei pensando em como ela, além de tudo, seria uma grande atriz. Porque entre outras milhares de coisas, para ser ator é preciso ser um bom observador e ter sensibilidade para entender e perceber as pessoas da forma mais pura. Durante alguns momentos parecia que eu estava assistindo uma peça de teatro e que aquele texto tinha sido ensaiado milhões de vezes para sair tão bom. E com a “visualização do ator”, ela conseguia passar para a plateia o que viu. Mas era muito mais do que isso. Aquilo era a vida real e o texto era espontâneo. Era uma conversa sobre coisas que ela viu e precisava contar para o mundo. Muitas vezes eu não conseguia olhar bem para a expressão dela por causa da distancia, mas a emoção toda estava na voz. Tudo que ela precisa estava naquelas lembranças. Era como se ela entregasse um presente pra mim. E eu quis muito anotar cada palavra para interpretá-las em alguma peça depois, e lembrar exatamente como elas tinham sido ditas. Mas a escrita, a fala e a interpretação são apenas espelhos da realidade. São formas de contar para as pessoas, como a vida é. Causar espanto e ao mesmo tempo alegria de viver. A vida real não é interpretável. Ela própria se cria e se perde ao mesmo tempo, toda hora. Não dá para recriar a realidade com as nossas próprias mãos.

Eliane escrevia uma coluna no Zero Hora, jornal de Porto Alegre, que se chamava "A vida que ninguém vê", e depois ela publicou um livro com esse nome e com as reportagens que escreveu. Eram matérias sobre pessoas comuns, que ninguém nunca falaria. Óbvio que no livro ela conta as histórias mais incríveis, mostrando que o jeito de contar a história é que faz ficar interessante. Todos os detalhes são a peça chave das histórias. São como um soco no estomago. Não é só o jeito que ela escreve, é o jeito que ela vê o mundo que faz a diferença. No final, eu só queria dizer que ela realmente vê a vida que ninguém vê. E não é a vida de pessoas comuns. Ela vê o que é óbvio, e este parece ser invisível aos olhos dos outros. A Eliane enxerga todos os detalhes, todos os espaços e tudo que seria considerado desperdício para as pessoas. Ela vê o que é mais simples de ver, mas que ninguém é capaz de perceber.

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