quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Confissões por escrito

"Aprendi que conversas sinceras não existem – existem as confissões por escrito."

Não existe. Nada que saia da minha boca parece real. Parece que eu estou sempre interpretando um personagem que ainda não foi bem desenvolvido, porque ele ainda não teve tempo de se completar e talvez nunca se complete. Ainda bem. O ser humano foi feito para ser mutável o tempo inteiro, porque está inserido em um mundo que muda o tempo inteiro. Nunca vou ser capaz de me declarar pra alguém pessoalmente. Quando eu falo, parece que as palavras são fantasmas saindo da minha boca e me sufocam por completo. Sempre tenho vontade de chorar. Toda vez que penso em dizer que amo ou que fiquei triste ou que a pessoa estragou minha vida ou qualquer coisa desse tipo, eu choro. E odeio. Odeio que me vejam chorando porque percebem tudo que eu ando escondendo de todo mundo todos esses anos. Só quem me lê consegue entender a raiz de cada pensamento que se torna sentimento em mim. Enquanto escrevo, sou capaz de contar umas coisas que não conto nem pra mim debaixo do chuveiro ou enrolada num edredom. 

Quando eu escrevo, elevo meu sentimento à quinta potência e não me importo de parecer exagerada. Quando eu ouço minha voz confessando meus segredos, tenho um medo absurdo. Tenho medo que elas se percam, talvez. O que está escrito pode ser lido, relido e interpretado. O que foi dito, não. O que foi dito é uma sentença de morte que não tem como voltar atrás.

Minhas confissões estão todas aqui, por mais que eu mesma não consiga interpretá-las. Por mais que eu sufoque um turbilhão de sentimentos que vagam por mim sem rumo e com um futuro predestinado. Penso que vai chegar um dia em que vai ter tanta coisa pra ser esclarecida comigo mesma que não vou conseguir colocar nem em palavras escritas. Vou ter que transformar tudo em cor. 
"Se nós dois tivéssemos conversado, todas as vezes que estivemos à beira de algum abismo, é bem provável que um de nós tivesse empurrado o outro lá embaixo."

Fernanda Young 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O homem que engoliu meu coração



Você me olhou como quem  está com muita sede e toma um gole de água e eu tive vontade de recuar porque ninguém nunca tinha me olhado assim, com o olhar de quem engole as entranhas e os pensamentos. Você me olhou como se estivesse recriando o mundo e eu tive vontade de ser seu mundo por um milésimo de segundo. Você me ofereceu cachaça e eu fiz cara feia porque sou fraca, não aguentei. Não aguentei te olhar atravessando a Mendes Sá com pressa e parando porque me viu. Pela primeira vez me senti menina de novo e não consegui fingir nada diante dos seus olhos que me decifravam e me puxavam pra mais perto. Pela primeira vez eu entendi a metáfora do Bentinho, quando ele falou que a Capitu tinha olhos de ressaca. Daí você disse que dá próxima vez ia comprar cerveja e eu pensei que da próxima vez você podia fazer uma malinha e ir morar comigo no Havaí. 

Você é daquele tipo de pessoa efêmera, quase impossível de tocar. Quando eu acho que você tá perto, você já tá longe. Quando eu acho isso, você é aquilo. É impossível acompanhar seus passos rápidos e sua mente enlouquecidamente mutável, intangível. Eu falo que você parece um vampiro e você ri fingindo que  não entendeu o que eu quis dizer, mas você entende o tamanho das coisas e eu não preciso ficar me explicando. Você entende a dimensão de qualquer frase que eu diga e faz questão de mostrar que nada pode ser mais doido do que a sua cabeça. Você é mentiroso também, do tipo que fala que vai, mas não vai. Do tipo que se atrasa, mas faz valer cada minuto do tempo perdido. É difícil acompanhar seus pensamentos enquanto que você vai riscando e escrevendo em cima da vida, criando cenas das situações reais. 

Tenho vontade de amarrar seus pensamentos pra eu conseguir acompanha-los e ver se eu consigo entrar nos seus sonhos, mas eles vão embora como balões de gás Hélio e me fazem enlouquecer. Você se perde no meio das suas próprias confusões e me coloca no meio de todas elas. Uma vez me disse que eu era o amor da sua vida, mas depois mudou de ideia. Você quer engolir o mundo inteiro pra ver se ele cabe dentro de você, mas ele não cabe. Então você vai engolindo as pessoas na sua vida, colocando elas em caixinhas até elas transbordarem e você não saber mais o que fazer. Você consegue ser louco nas entrelinhas dessa loucura burocrática de quem sabe pra onde vai, mas faz questão de se perder. Faz questão de me perder junto. Faz questão de perder tudo por uma noite fora do mundo. E pra você não importa onde isso vai dar, só importa a beleza das coisas e as confusões e as intensidades e os goles de cachaça e essa vontade de ver tudo como se fosse novo. Você engoliu meu coração e mudou o rumo da historia. Você virou meu segredo inconsolável, guardado pra mais tarde, guardado pra sempre.

sábado, 28 de setembro de 2013

Vinagre

Você tem cheiro de vinagre, ela falou. Ele tinha acabado de chegar da primeira manifestação contra o aumento das passagens de ônibus. Já tinha cheirado um pouco de gás lacrimogênio, o que deixou seus olhos um pouco irritados, mas ela gostava da ideia de ele ter ficado emocionado ao vê-la de novo. Mal sabiam eles que aquele primeiro grande ato se transformaria em uma maré de protestos gigantes nas cidades que, na verdade, nunca tinham dormido. Conversaram sobre polícia, política e e filmes, enquanto tomavam uma cerveja. Aliás, ele tomava cachaça. Ela era menina demais pra tomar algo tão quente naquela situação que já fazia seu coração acelerar. Enquanto ela olhava pro lado, pensando em tudo que ele havia acabado de falar, ele analisava seus peitos dentro do vestido branco, depois subia para o pescoço imaginando o que faria com ele no resto da noite. Ela notou, mas fingiu que não viu. Gostava desse ar canalha inteligente que ele tinha. Ela queria destruir todas as certezas dele e ele queria construir algo dentro dela. Um sentimento que não iria morrer com um sopro ou uma viagem longa. Misturaram-se entre vinagre, cerveja, cachaça e saliva naquela noite fora do mundo. Ela se apoiava pelada na janela enquanto fumava um cigarro, embora ela nunca fumasse, e ele a observava, criando cenas na cabeça. Eram dois mundos diferentes dentro de um quarto só. Então os dois criaram um universo.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Espectros e aspectos... A paixão em muitas visões

 Texto especial do André Dias.

"Ta vendo aquela garota ali? Todos os caras querem ficar com ela. Todos passam e não conseguem desprender os olhos, e suas mentes formulam as mais tórridas taras naquele corpo sinuosamente delicado e tentador. Ela atrai porque espalha cores, música, sorriso, vida, oferecendo toda energia que nunca encontraremos em um comprimido milagroso.

Difícil explicar. O sol brilha onde ela está. Acho até que só brilha para ela. Quando se move o tempo pára, o vento sussurra. As nuvens se beijam, o ar fica mais leve. Cara, vou lhe dizer uma coisa, queria muito ter a voz dela me acordando por uma única manhã. Que o bom dia dela fosse meu café, e que deitada em mim, me esquentasse de forma suave e imperceptível a ponto de eu achar chinfrim todo lençol de seda comparado àquela pele.

Ela é foda. Sim, ela é toda toda. Ouvi dizer que não dá mole para qualquer um, e os poucos gatos pingados que atravessaram seu deserto acabaram se queimando, não seguraram o tranco. Ela é desafio e prêmio, super desejada pela raridade do feito que é fazê-la feliz e o prazer de ser feliz ao seu lado. Seus mares são agitados e tensos, mas àqueles que encontram seu porto há águas claras, sombra, alívio, gozo.

Ela destrói demônios. Ela não precisa de anjos protetores. Ela se faz paraíso. Segura, decidida, destemida, à frente, certas vezes canalha. Tipo de garota que não se faz de rogada para encenar cara de choro e beicinho ligeiramente sorrateiros. Caetano só soube da malícia de toda mulher depois de ver de perto a dor e a delícia que ela é. Só pode, não é possível! Ninguém nega nada a ela, falta coragem. Qualquer homem feito se enfraquece, tornando-se um menino indefeso diante de sua personalidade intimidadoramente escorregadia.

Eu preciso ser diferente. Tenho que ser. Eu vou dizer “não” pra tudo. Tudo bem, vou dizer um “não” após nove “sins”, porque acho que dez “sins” seria moral demais, viraria bagunça, e o homem precisa demonstrar firmeza. Deixá-la ligar o dia inteiro, ignorar, e só à noite quando estiver em meus braços, inversamente, ela poderá se sentir a mais desejada. Rogarei baixinho ao seu ouvido no escuro do quarto todos os meus desejos loucos, rogarei fervorosamente sem colocá-la num altar, rogarei sem fazer dela uma santa intocável, deixarei isso para seus fiéis incautos.

Meu Deus, sou mesmo um idiota. Aqui fantasiando através da fantasia. Ela é sonho. Parece um tanto obsessiva a imagem dessa menina dançando como constelações dentro do universo oco da minha cabeça. Tenho que dar uma volta e espairecer, andar um pouco, arejar. Vai ver é isso. De fato, a acho linda, gostosa, doce, perfeita e inteligente, mas isso não quer necessariamente dizer que eu esteja apaixonado por uma menina, mulher apaixonante."

Dé Dias

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O amor acabou


No dia que o amor acabou eu não tive tempo de arrumar a cama, nem de decidir se eu queria pintar minhas unhas de azul ou vermelho. Não tive tempo de olhar se meu cabelo estava no lugar e nem de tomar o café que eu tomo todos os dias. O dia acabou e eu percebi que pela primeira vez eu tinha me esquecido de lembrar de você. Olhei pro lado e você não tava mais aqui. Olhei pra dentro de mim e tentei te encontrar. Nada. Olhei embaixo da cama, atrás da cortina e nada de você aparecer e fazer meu coração apertar. Então comecei a chorar desesperadamente porque você tinha saído da minha cabeça. Eu sempre chorei porque queria te esquecer, mas hoje eu chorei porque eu te esqueci. O amor finalmente tinha morrido em mim. 

Ouvi wonderwall, esperando alguma resposta espontânea de meu corpo, mas não aconteceu nada. Não chorei desesperadamente, como eu faço sempre, cantando de um jeito brega e adolescente ‘maybe you’re gonna be the one that saves me, and after all you are my wonderwall.’ Você não era mais minha wonderwall e nem poderia me salvar de nada. Você era só alguém que tinha ficado no passado e eu me senti completamente sozinha no mundo de novo.

Eu sempre achei que eu ia sentir um alivio enorme quando você fosse embora, mas agora eu to morrendo de medo do que a sua ausência vai fazer comigo. Você era sempre o cara que eu largaria todo mundo pra estar. Por mais que eu tenha me apaixonado por outras pessoas, você era sempre quem eu esperava no final de todos os meus casos. 

Você era sempre a parte magica da minha vida. Qualquer coisa relacionada a você era sempre meio surreal e diferente de tudo. Mas agora você foi embora e eu nunca mais vou sentir isso.  Eu queria te ver uma vez a cada dez anos e sentir mais uma vez que o mundo é mágico e que de fato o amor vale a pena. Hoje eu não senti nada disso e entrei em desespero. Nenhuma musica lembrou você, por mais que eu estivesse forçando a barra pra sentir aquela saudade inversa. Eu lembro que eu sempre repetia que queria te apagar da minha memória, como naquele filme ‘ Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças’. Hoje te apagaram da minha memória e eu  sinto saudade de sentir saudades de você.  Por mais que você tenha ido embora você vai ser sempre meu brilho eterno, como daquelas estrelas que morrem, mas a luz continua viajando no espaço. Você vai ser sempre a faísca do amor que resta em mim.

Eu to torcendo pra te encontrar por acaso. Torcendo pra eu te olhar e sentir de novo todas aquelas coisas malucas que eu sinto quando você aparece. Torcendo pra eu poder contar mais uma vez tudo que eu sinto, mas que eu nunca soube explicar muito bem. Porque algumas coisas não precisam de explicação. Elas são o que são e pronto. Não precisa dar nome, nem querer desqualificar um sentimento só por ele não ser nobre o suficiente ou só porque ele não teve tempo de amadurecer e ser chamado de amor. Só porque tá na moda não ser muito romântico e aí vivem colocando coisas nas nossas cabeças falando que não podemos gostar de ninguém de um jeito louco e sem explicação porque isso faz a gente sofrer mais. E todo mundo sabe que no fundo, não existe conselho, porque ninguém entende nada de amor. Querem colocar regras naquilo que nunca precisou de regras, que sempre foi livre pra penetrar no coração e mudar a vida de quem quer que seja. Queria que todo esse sentimento voltasse a transbordar em mim ao ponto de eu querer rasgar tudo. 

Hoje eu entrei em desespero porque descobri que, sem você, eu não estou preparada pra amar. Descobri que você era a minha certeza de a gente pode amar e desamar e amar mais de um de uma vez e desconstruir e construir do nada. Mas agora eu não tenho mais certezas e to morrendo de medo de não ter mais ninguém pra inventar.O que que vai ser de mim agora que eu estou completamente livre pra me apaixonar eternamente de novo?

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Enlouqueci, me disseram



Hoje, quando eu cheguei em casa, rasguei tudo. Quebrei meu espelho, desarrumei a cama. Revirei tudo. Entrei em descontrole e me pendurei na janela. Metade pra fora, metade pra dentro. Chorei. Baguncei meu cabelo como se tivesse encontrado uma borboleta preta dentro, igual ao André. Pensei que tivesse enlouquecido ontem, que nem ele. Eu quebrei tudo. Quebrei tudo porque eu queria que você saísse de mim. Há um ano você mora em mim, me enlouquece. Hoje eu olhei pro lado e achei que todo mundo era você. Eu queria que você fosse todos eles. Eu sempre te vejo em tudo...

Enlouqueci. Falaram que podiam me internar. Coitada, melhor deixar ela esfriar a cabeça. Quis chorar, mas fiquei com medo de não parar mais. Não senti tristeza, nada disso. Só quebrei tudo porque eu precisava fazer alguma coisa pra te tirar de mim. Foi involuntário, como se eu quisesse cessar uma dor ou um pensamento incontrolável. Eu só queria acabar com o amor. Enlouqueceu, coitadinha. E eu estava tão sã, sabia de tudo. Não era delírio, não era descontrole. Era só uma forma de expulsar esse amor todo que eu sinto, mas que não cabe em mim e eu não posso te contar. Eu prometo que se um dia eu puder te falar desse meu amor, eu nunca mais vou olhar pra ninguém, por mais que eu goste de relacionamentos livres. Eu não quero mais ninguém. Há um tempo eu não quero mais ninguém porque eu sempre te espero no final de todos os meus casos. Quando eu descubro que não são você eu volto pra casa e me rasgo inteira. Escrevo um texto e tento explicar o que todos acham que é loucura e eu chamo de amor. Queria gritar por uma hora seguida pra minha falta de ar cobrir o vazio do mundo enquanto você não está por perto.

Eu quebrei tudo. Cheguei da festa. Fumaça na cabeça e o amor se transbordando por todos os meus poros. Pressão demais pro meu corpo. Não ouvi vozes, não tive vontade de morrer. Só quis acabar com o amor, por um momento qualquer. Queria que você me deixasse em paz. Há tempos que eu enlouqueço, me falaram. Queria te arrancar de mim como se arranca uma erva daninha, arrancando pela raiz. Tenho medo de que quando eu te arrancar de mim, eu me arranque um pouco também. Sangrando a carne, puxando a pele. Eu tenho medo. Eu nunca imaginaria que você cresceria em mim assim. Eu achava que você talvez nem brotasse direito, como um pé de feijão que eu plantei quanto eu tinha 8 anos,mas logo morreu. Mas você cresceu em mim de um jeito inesperado e me fez abrir todas as minhas portas e as janelas e a luz que entrou me cegou o suficiente para eu não conseguir abrir a porta pra mais ninguém. Você ocupou todos os espaços em mim e agora eu me sinto sufocadamente confortável. Eu quebrei a janela. Queria crescer que nem você. Minha janela tava me sufocando. Precisava gritar.


Ficaram morrendo de medo de mim. Enlouqueceu, coitadinha. Morar longe da família não deve ser fácil. Não deve. O amor que eu sinto me sufoca ao ponto de eu nunca conseguir explicar que é amor, não invenção, não idealização. Essas borboletas pretas aparecem no meu cabelo de tempos em tempos e eu preciso rasgar tudo. Rasguei as roupas, o lençol branco que cobria o colchão velho. Eu gosto do barulho de tecido rasgando. Finjo que sou eu, me abrindo ao meio. E ai eu grito, porque algo dentro de mim queima e eu me sinto viva. Enlouqueci. Enlouqueci de amor. Sou tão frágil que se encostar eu quebro. Vão falar de novo que eu enlouqueci, mas tudo isso é pra dizer que você sou eu e que estamos conectados por algo que eu mesma inventei. Te vejo de todas as formas e cores e tenho vontade de te rasgar inteiro. Rasgar nós dois. Enlouquecer. Queriam me internar, mas eu tentei explicar que amor não é doença. Não tem cura. Minhas crises funcionam como uma fuga de mim mesma. Tento me encontrar nos restos do meu quarto. No que restou de mim. Você mudou tudo e dane-se. Vou continuar enlouquecendo, vou continuar amando e querendo matar o amor. É só porque você foi o único ate hoje que mereceu todo esse amor que transborda em mim, por tudo. Você me merece porque quando eu te olho eu entendo tudo por um segundo e sou puxada pra dentro de você, me afogando. Você me merece porque eu me encontrei no momento exato que eu te vi. Transbordei de amor e quebrei tudo. Enlouqueci, me disseram. 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Se a sua opinião e sua crença tiram algum direito meu, desculpa, mas não respeito sua opinião e sua crença. Me falam que eu preciso respeitar a opinião do outro, mas e se essa opinião me reprime? Até que ponto precisamos respeitar ideias de gente que não nos respeita?

sexta-feira, 19 de julho de 2013

"O que precisamos ser: guardiões da ordem ou dos direitos humanos?" Joel Rufino dos Santos
Resolvi, de uma vez por todas, o problema das minhas celulites: não leio mais revistas de beleza.
Durante a manifestação do dia 17/07/2013 em frente a casa do Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral:

Enquanto a gente tirava foto dos policias, eles tiravam foto do protesto. A única coisa que nos separava era uma grade. Parece um zoológico onde os dois lados estão enjaulados, presos por aquilo que chamamos de democracia.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Déficit de Atenção está no comportamento da nossa sociedade e não nas nossas crianças



Alguns dados apontam que nos últimos anos os casos de Déficit de Atenção triplicaram entre nossas crianças. Eu estou entre uma dessas crianças. Com uns treze anos comecei a tomar um remédio com tarja preta chamado Ritalina, que pra mim, de fato fazia uma diferença enorme. Quando eu era criança fui chamada várias vezes de hiperativa, desconcentrada. Meus professores adoravam falar como eu me dispersava rápido. Engraçado, continuo assim, mas hoje tento usar isso ao meu favor. O remédio vai soltando doses ao longo do dia e pode durar até 8 horas. Tomava antes de ir pra escola pra ficar ligada na aula e pra poder ter boas notas nas provas. Nunca fui boa em matemática, física, química, mas me esforçava o bastante pra não ficar de recuperação. Lembro que eu achava que o remédio fazia uma diferença significativa na hora de fazer uma prova. Eu realmente me transformava em 8 horas em uma pessoa mais focada. O déficit de atenção é mais comum do que se imagina, em quase todas as crianças. Umas mais que outras, como em qualquer doença mental. Assim que entrei na faculdade resolvi largar o remédio. Fui percebendo ao longo dos anos que eu não precisava dele para escrever uma boa redação, ou pra ler um livro que eu gostava, nem pra fazer prova de história. Não precisei do remédio para decorar um dos meus primeiros textos de teatro. Eu nem tomava o remédio pra ir pra aula de teatro e eu era uma pessoa igualmente focada nessas aulas. Lembro até hoje detalhes das aulas de interpretação, das dicas do professor. Ele fingindo que estava numa praia, olhando os barcos. Foi então que minha mãe resolveu perguntar à minha médica por que eu ficava concentrada nas coisas que eu gostava de fazer e ela disse que isso era normal. Nas áreas que eu tinha mais habilidade os sintomas não apareciam de modo que me atrapalhasse. Que doença engraçada, né? Mal do século, eu diria. A nossa sociedade está criando doenças para quem estiver fora do padrão de comportamento esperado.

Então vi que o problema não estava em mim e nem na maioria dessas crianças que precisam tomar um remédio para entrar num padrão social. O problema está no nosso ensino, totalmente precário, que se preocupa mais se seu aluno vai passar em medicina do que se ele será um bom cidadão. Estudei minha vida toda numa escola diferente, que se importava com a cabeça dos seus alunos e valorizava o que eles tinham de melhor, incentivando a arte, o esporte e a ciência. Lembro que as notas eram dividias em 40% de provas e os outros 60% eram de comportamento. Se você soubesse lidar bem com um grupo, participasse da aula, fosse educado e responsável já era o suficiente pra passar de ano. E ninguém deixava de estudar, afinal queríamos ter notas boas. Depois fui pra uma escola que tinham tantos alunos que os professores não conseguiam gravar o nome nem dá metade deles. Nunca mais falamos em preconceito ou direitos humanos. Nunca mais falamos sobre ler livros sem ser por obrigação. Depois, mais tarde, os professores reclamavam que líamos pouco, mas como se tínhamos tão pouco incentivo? Lembro que na minha outra escola ganhei gosto pela leitura quando eu ainda era bem pequena. Devorava livros e mais livros, afinal a gente tinha uma aula só de leitura.

Me mudei para essa nova escola porque eu precisava passar na Unb (Universidade de Brasília), mas eu não via sentido nenhum em nada daquilo. Fui me sentindo cada vez mais idiota porque eu não conseguia ir bem em nenhuma matéria de exatas, mas falaram que pra passar no vestibular era preciso saber mais exatas do que humanas. Aumentei a dose do remédio Ritalina pra poder ficar pelo menos na média. Fico pensando quantas crianças vão ter que se sentir burras e diferentes e tomar um remédio tarja preta pra ficar na média na escola, pra ficar na média na vida, pra ser sempre medíocre porque a educação não nos dá a oportunidade de sermos brilhantes. No ensino médio os adolescentes são constantemente comparados, como em uma empresa, para que haja desde cedo um espirito de competição. Infelizmente essa competição é completamente injusta, pois as pessoas têm habilidades diferentes. Como já disse Albert Einstein "Todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará sua vida inteira acreditando ser estúpido" e é exatamente isso que nosso ensino faz. 

A qualidade de uma escola é medida pelo número de aprovações que seus alunos têm no vestibular e não pela pessoa que ela está formando para o mundo. Como queremos ter profissionais mais dedicados se desde pequenos somos ensinados que se importar com o outro não é o que importa, mas sim ser sempre melhor que todo mundo? Infelizmente nossa educação forma pessoas cada vez mais quadradas, que pensam dentro de uma caixinha. Não se permitem ir atrás das informações e nem da melhor forma de resolver problemas. As aulas de artes são totalmente técnicas e insuportáveis. Não nos dão oportunidade de sermos realmente quem queremos ser e crescemos adultos chatos, controladores e depressivos. 

Infelizmente nosso comportamento é resultado da educação que tivemos e isso só vai mudar quando todas as áreas foram igualmente valorizadas nas escolas e entre os alunos. Cada vez teremos mais crianças com déficit de atenção. Principalmente agora com a tecnologia, que todas elas podem ter acesso rápido a tudo. Por que elas ficariam prestando atenção em uma aula chata? Por que elas ficariam prestando atenção em algo que elas podem aprender em um segundo procurando no Google? O nosso sistema educacional precisa mudar rapidamente, pois não podemos achar que o ensino pode continuar o mesmo de 20 anos atrás, onde não existia tanta informação com facilidade. As crianças estão perdendo o interesse na escola, óbvio! Elas estão vendo o mundo de possibilidades que existe ao redor delas, vendo tudo que elas podem criar e transformar e os colégios continuam insistindo em ensinar a formula de Báscara. Todas as pessoas têm uma genialidade, mas o mundo insiste, por algum motivo que sejamos medíocres, dentro de um padrão. Não valorizam o aluno bagunceiro, nem o que vive no mundo da lua. Esses que no futuro provavelmente serão os adultos mais criativos. A nossa educação mata a nossa criatividade. Na escola não temos nenhuma oportunidade de nos mostrar e nem de crescer intelectualmente, pois quanto mais velhos ficamos, taxam de ridículo aquilo que fazemos de diferente, mas que se for estimulado, poderia ser genial. É triste a situação em que vivemos, mas já foram inauguradas escolas com uma proposta totalmente diferente de ensino, onde as matérias não são separadas, mas são aprendidas juntas, como se fosse uma só. Os alunos também não são separados por turmas de acordo com a idade, mas sim por habilidades que os alunos apresentam. Espero que esse realmente seja o futuro do nosso ensino e que não criemos mais doenças para fazer as crianças se sentirem anormais. “Somos todos folhas da mesma árvore”, esse era o lema da minha primeira escola. Ainda bem que aprendi assim.