quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Déficit de Atenção está no comportamento da nossa sociedade e não nas nossas crianças



Alguns dados apontam que nos últimos anos os casos de Déficit de Atenção triplicaram entre nossas crianças. Eu estou entre uma dessas crianças. Com uns treze anos comecei a tomar um remédio com tarja preta chamado Ritalina, que pra mim, de fato fazia uma diferença enorme. Quando eu era criança fui chamada várias vezes de hiperativa, desconcentrada. Meus professores adoravam falar como eu me dispersava rápido. Engraçado, continuo assim, mas hoje tento usar isso ao meu favor. O remédio vai soltando doses ao longo do dia e pode durar até 8 horas. Tomava antes de ir pra escola pra ficar ligada na aula e pra poder ter boas notas nas provas. Nunca fui boa em matemática, física, química, mas me esforçava o bastante pra não ficar de recuperação. Lembro que eu achava que o remédio fazia uma diferença significativa na hora de fazer uma prova. Eu realmente me transformava em 8 horas em uma pessoa mais focada. O déficit de atenção é mais comum do que se imagina, em quase todas as crianças. Umas mais que outras, como em qualquer doença mental. Assim que entrei na faculdade resolvi largar o remédio. Fui percebendo ao longo dos anos que eu não precisava dele para escrever uma boa redação, ou pra ler um livro que eu gostava, nem pra fazer prova de história. Não precisei do remédio para decorar um dos meus primeiros textos de teatro. Eu nem tomava o remédio pra ir pra aula de teatro e eu era uma pessoa igualmente focada nessas aulas. Lembro até hoje detalhes das aulas de interpretação, das dicas do professor. Ele fingindo que estava numa praia, olhando os barcos. Foi então que minha mãe resolveu perguntar à minha médica por que eu ficava concentrada nas coisas que eu gostava de fazer e ela disse que isso era normal. Nas áreas que eu tinha mais habilidade os sintomas não apareciam de modo que me atrapalhasse. Que doença engraçada, né? Mal do século, eu diria. A nossa sociedade está criando doenças para quem estiver fora do padrão de comportamento esperado.

Então vi que o problema não estava em mim e nem na maioria dessas crianças que precisam tomar um remédio para entrar num padrão social. O problema está no nosso ensino, totalmente precário, que se preocupa mais se seu aluno vai passar em medicina do que se ele será um bom cidadão. Estudei minha vida toda numa escola diferente, que se importava com a cabeça dos seus alunos e valorizava o que eles tinham de melhor, incentivando a arte, o esporte e a ciência. Lembro que as notas eram dividias em 40% de provas e os outros 60% eram de comportamento. Se você soubesse lidar bem com um grupo, participasse da aula, fosse educado e responsável já era o suficiente pra passar de ano. E ninguém deixava de estudar, afinal queríamos ter notas boas. Depois fui pra uma escola que tinham tantos alunos que os professores não conseguiam gravar o nome nem dá metade deles. Nunca mais falamos em preconceito ou direitos humanos. Nunca mais falamos sobre ler livros sem ser por obrigação. Depois, mais tarde, os professores reclamavam que líamos pouco, mas como se tínhamos tão pouco incentivo? Lembro que na minha outra escola ganhei gosto pela leitura quando eu ainda era bem pequena. Devorava livros e mais livros, afinal a gente tinha uma aula só de leitura.

Me mudei para essa nova escola porque eu precisava passar na Unb (Universidade de Brasília), mas eu não via sentido nenhum em nada daquilo. Fui me sentindo cada vez mais idiota porque eu não conseguia ir bem em nenhuma matéria de exatas, mas falaram que pra passar no vestibular era preciso saber mais exatas do que humanas. Aumentei a dose do remédio Ritalina pra poder ficar pelo menos na média. Fico pensando quantas crianças vão ter que se sentir burras e diferentes e tomar um remédio tarja preta pra ficar na média na escola, pra ficar na média na vida, pra ser sempre medíocre porque a educação não nos dá a oportunidade de sermos brilhantes. No ensino médio os adolescentes são constantemente comparados, como em uma empresa, para que haja desde cedo um espirito de competição. Infelizmente essa competição é completamente injusta, pois as pessoas têm habilidades diferentes. Como já disse Albert Einstein "Todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará sua vida inteira acreditando ser estúpido" e é exatamente isso que nosso ensino faz. 

A qualidade de uma escola é medida pelo número de aprovações que seus alunos têm no vestibular e não pela pessoa que ela está formando para o mundo. Como queremos ter profissionais mais dedicados se desde pequenos somos ensinados que se importar com o outro não é o que importa, mas sim ser sempre melhor que todo mundo? Infelizmente nossa educação forma pessoas cada vez mais quadradas, que pensam dentro de uma caixinha. Não se permitem ir atrás das informações e nem da melhor forma de resolver problemas. As aulas de artes são totalmente técnicas e insuportáveis. Não nos dão oportunidade de sermos realmente quem queremos ser e crescemos adultos chatos, controladores e depressivos. 

Infelizmente nosso comportamento é resultado da educação que tivemos e isso só vai mudar quando todas as áreas foram igualmente valorizadas nas escolas e entre os alunos. Cada vez teremos mais crianças com déficit de atenção. Principalmente agora com a tecnologia, que todas elas podem ter acesso rápido a tudo. Por que elas ficariam prestando atenção em uma aula chata? Por que elas ficariam prestando atenção em algo que elas podem aprender em um segundo procurando no Google? O nosso sistema educacional precisa mudar rapidamente, pois não podemos achar que o ensino pode continuar o mesmo de 20 anos atrás, onde não existia tanta informação com facilidade. As crianças estão perdendo o interesse na escola, óbvio! Elas estão vendo o mundo de possibilidades que existe ao redor delas, vendo tudo que elas podem criar e transformar e os colégios continuam insistindo em ensinar a formula de Báscara. Todas as pessoas têm uma genialidade, mas o mundo insiste, por algum motivo que sejamos medíocres, dentro de um padrão. Não valorizam o aluno bagunceiro, nem o que vive no mundo da lua. Esses que no futuro provavelmente serão os adultos mais criativos. A nossa educação mata a nossa criatividade. Na escola não temos nenhuma oportunidade de nos mostrar e nem de crescer intelectualmente, pois quanto mais velhos ficamos, taxam de ridículo aquilo que fazemos de diferente, mas que se for estimulado, poderia ser genial. É triste a situação em que vivemos, mas já foram inauguradas escolas com uma proposta totalmente diferente de ensino, onde as matérias não são separadas, mas são aprendidas juntas, como se fosse uma só. Os alunos também não são separados por turmas de acordo com a idade, mas sim por habilidades que os alunos apresentam. Espero que esse realmente seja o futuro do nosso ensino e que não criemos mais doenças para fazer as crianças se sentirem anormais. “Somos todos folhas da mesma árvore”, esse era o lema da minha primeira escola. Ainda bem que aprendi assim.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A arte em mim



Encontrei com deus quando um holofote de teatro me cegou no palco. Ele me falou o que eu já sabia: não era pra acreditar nele, pois ele não existia. Mas me falou também que eu mesma não existia. Descobri enfim que esse encontro não tinha sido com deus, mas comigo mesma, com meu abismo. E só restou ali, naquele momento, a arte da minha representação. Eu estudo teatro para encontrar sentido na minha representação na vida. Queria encontrar um deus pra poder acreditar, mas acabei me encontrando. Eu era o deus que eu procurava. Acreditei na arte.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Briga de casal



- Oi, amor. Tudo bem?
- Tudo e você?
- Também... Tô saindo do trabalho, presa no engarrafamento pra variar.
- Tá indo pra casa?
-Tô, tô no ônibus, lotaaaado.
- hahaha. Hora do rush é assim mesmo.
- Elogiaram meu trabalho hoje lá na loja. Um gringo falou pra dona da loja que foi muito bem atendido.
- Nossa, que bom!
- É, que bom mais ou menos... Porque ele não falou os nomes, então a gerente não vai saber.
- Ah, que merda... a gente vai se ver hoje?
- Ai amor, eu queria muito, mas tá complicado hoje. Descobri que eu tenho um trabalho pra amanhã.
- Descobriu?
- É, a menina lá da sala me passou, porque eu faltei aula passada, lembra? Daí eu Tenho que montar um cardápio.
- hahaha, cardápio de que?
- Ah, um cardápio dividindo entrada, sobremesa, prato principal...
- Nada a ver
- É, faço hotelaria pra ficar montando cardápio. Fala sério...
- Vai trabalhar amanha?
- Não, amanha é minha folga. Me dei folga já que trabalhei no feriado passado!
- Muito espertinha. Que bom, quero aproveitar amanha com você, então.
- Também quero, amor.. queria levar o Bernardo pra brincar naquele parquinho perto da casa do Juca, sabe?
- Sei! Boa, podemos ir depois do almoço! Ah, deixa eu te falar... passei as fotos do Bê pro computador, mas não couberam todas.
- Porra, Michel, sério? Põe num HD externo, sei lá... apaga umas coisas.
- Não, relaxa... vou dar um jeito. Vou passar pro pendrive...
- Pede pra sua mãe, pô.
- Ai, lê, queria mexer com isso não.
- Você nunca quer mexer em nada com a sua mãe né? Principalmente quando tem a ver com o Bernardo.
- Não é assim, Letícia... você sabe como ela já tá estressada com essas coisas do aniversario dele.
- É, sei... sei que ela tá cagando e andando pro neto dela.
- Letícia, não é assim, pô. Minha mãe tem as coisas dela, mas ela adora o Bê. Deixa de nóia. Falando nisso, que que a gente vai fazer no seu primeiro dia das mães?
- Eu tava pensando em almoçar com minha mãe e depois acho que vou lá pra Nicole. Daí você pode ir pra sua mãe à noite, se você quiser. Aí você almoça com a gente e depois a gente faz alguma coisa de tarde.
- Fazer o quê na Nicole?
- Ela vai fazer um jantarzinho pra gente. Mas vai ser só mulher, daí eu pensei que nessa hora você podia passar com a sua mãe, já que todo ano você fala que queria passar com a sua mãe.
- Não falo isso todo ano não, falei que às vezes eu queria dar um pulinho lá, pô.
- Então, por isso mesmo... já me programei esse ano pra você ir pra sua mãe.
- Ah, tá bom Letícia. Você é foda, cara...
- Por que, Michel? Eu tô fazendo as coisas mais simples possíveis. Você fica comigo e com o Bê e de noite vai pra sua mãe.
- Você que inventou de ir pra Nicole, porra. Achava que ia fazer alguma coisa nós três, família.
- Eu também queria fazer uma coisa legal, nós três. Eu nem sei se vai rolar mesmo a parada na casa da Nicole, ela ainda não confirmou realmente. Mas não é você que sempre quer ficar com a sua mãe? Então...
- Claro, ela é minha mãe. Acho justo que eu queira.  Mas esse ano é diferente né!
- Por isso mesmo que eu facilitei as coisas. É meu primeiro dia das mães, sabe. Queria ficar com você e com o Bê, mas não queria causar confusão.
- Mas a gente vai ficar junto! Por que a gente não passa com a minha família esse ano?
- Ai Michel, porque prefiro passar com a minha mãe, minha avó... do que com a sua família que não consegue nem olhar pra minha cara.
- Caralho Letícia, você exagera muito as coisas. Você sempre leva as coisas pra seu lado.
-Por que você tá gritando? Eu tô falando numa boa aqui com você, tentando facilitar as coisas e olha o jeito que você tá falando comigo.
- Facilitar o que? Ficar falando mal da minha mãe não tá facilitando em nada!
- Presta atenção no jeito que você tá falando  comigo. Não te dei motivo pra falar assim.
- Tá bom, Letícia. Não enche meu saco mais não.  Eu almoço na sua mãe, faço o que tu quiser de noite. Vou pra Nicole, fico em casa. Foda-se. Vou fazer o que tu quiser.
-Mas eu não tô falando isso, michel!! Você pode passar com a sua mãe. Não é você que todo ano fala isso? Que quer ficar com a sua mãe? Então fica! Eu não tô querendo competir atenção de ninguém, muito menos da sua mãe.
- Quando eu falei isso, Letícia? Hein? Quando que eu falei que eu não me lembro...
- Ah, agora exatamente eu não sei. Mas eu lembro que falou. Ano passado.
- Você é impressionante cara. Você não consegue lidar com as coisas sem colocar o Bernardo ou minha mãe no meio.
- Por que você tá gritando, Michel? Você fala como se fosse fácil. Eu tenho que aguentar pressão em casa, pressão no trabalho, pressão por causa do Bernardo. É tudo nas minhas costas, Michel! Você acha que é fácil? Você acha que foi realmente isso que eu planejei pra mim?
- Letícia, eu também tenho pressão em casa, no trabalho, com o Bernardo! O moleque também é responsabilidade minha, porra.
- Quando que você tem pressão com o Bernardo, Michel? Quando você deixou de fazer alguma coisa por causa dele?
- Sempre deixo, porra.
- Fala quando.
-Aah, sei lá! Semana passada! Sábado não fui pro evento de bike que o Felipe tava organizando pra ficar com o Bernardo.
- Uma vez na vida e outra na morte né, Michel! A creche fica no pé de quem? Meu! Porque não paguei mês passado e não sei o quê. E cadê você pra me ajudar?
- Porra Letícia, eu já falei que tô juntando a grana daquele evento que eu tô organizando, porra.
- Você é o único otário que faz um evento que não tem retorno financeiro que valha a pena. Ninguém faz isso!
- Eu gosto do que eu faço, Leticia. Eu faço com prazer esses eventos!
- Mas você tem um filho, Michel! Você tem que se responsabilizar por isso também, sabia?
- Você fala como se eu tivesse nem aí pro Bernardo. Eu amo esse moleque, Letícia. Tu sabe disso! Tu sabe do esforço que eu faço pra conseguir ficar com ele durante a semana. Eu também trabalho pra cacete, não é só tu não.
- Lembra quando a gente deu um tempo que eu falei que eu não queria mais saber de você falando que ia mudar. Eu queria ver em ações. Queria que você mudasse pra valer. Mas você não mudou em nada, Michel! Você não muda em nada.



Elena

Elena, da Petra Costa, é o documentário mais devastador de todos os tempos. Só o trailer me deixou sem dormir há dias e depois de assistir ao filme, fiquei parada olhando meu reflexo na tela, sem entender muito o que tinha acabado de acontecer.  Eu penso na Elena e não consigo parar de chorar. Arte é criar o belo pelo avesso. Transformar a dor em água. É sentir falta de ar por um instante para fazer com que o resto do mundo respire.