quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ELOGIO À PAIXÃO

ELOGIO À PAIXÃO

Sei que pelo menos uma vez na vida alguém já disse que não queria me ver nunca mais. Alguns até resistiram aos meus caprichos e se fecharam, outros não conseguiram ficar nem uma semana sem mim. Acho engraçado pensar que as pessoas têm medo de mim. Sempre afirmam que eu não sirvo para nada além de fazer sofrer, perder a cabeça, levar à loucura. Mas convenhamos, essa é a minha função. Durante a paixão ardente eu sei que cada um de vocês sente a minha plenitude. Eu gosto de ver isso nas pessoas quando estou com elas. Gosto de vê-las secando de desejo, sentindo fome, sede, uma vontade absurda e inexplicável por dentro. Quando estou com vocês é a melhor sensação que vocês já sentiram, podem admitir, o problema vem depois. Muitos odeiam quando eu vou embora rapidamente, outros odeiam quando eu chego sem avisar, outros odeiam quando eu apareço queimando por dentro. A verdade é que ninguém vive sem mim. Pode tentar fugir, mas um dia eu vou te encontrar e você vai se render. Pode ser criança, jovem, adulto ou velho. Não me importo com idade, sexo, religião, cultura ou etnia. Não tenho preconceito nenhum e sempre arranjo um jeito de me fixar em seu peito. Apertando, apertando, apertando cada vez mais. Uma dor boa. Um frio na barriga, um sorriso no rosto, uma cabeça no mundo da lua.
Um vírus. É exatamente isso que eu sou. Um vírus, uma doença. Já reparou que quando as pessoas quando estão apaixonadas têm os mesmo sintomas? Vem, incomoda e passa. A diferença entre mim e uma doença é que a doença é um incomodo ruim, eu sou um incomodo bom. Às vezes nem sou um incomodo. Isso depende de cara organismo, ou melhor, de cada tipo de alma ou de cabeça. Alguns são fracos e eu parto-os ao meio. Outros são fortes e me curtem até o ultimo momento. Como um vírus eu também venho em diferentes intensidades, já que um mesmo vírus não entra duas vezes no mesmo corpo. É como se existissem vários eus e por isso uma paixão nunca é igual à outra.
Não precisa ter medo de mim. Fugir da paixão, fugir do amante. Eu não vou te machucar tanto. Eu passo e vou embora, prometo. Quanto mais você me evitar, mais desastrosos serão os sintomas quando eu te encontrar. Eu posso deixar seqüelas, mas se você aprender a lidar comigo elas serão cada vez menores, juro. Eu posso demorar um pouco para sair de você, mas isso também depende de cada organismo. Alguns sentem falta de mim, choram para me ter logo por perto e outros choram para que eu me afaste. Geralmente os que me desejam são os que já passaram por muitas coisas, e precisam de mim para aliviar o estresse do dia a dia, afinal eles sabem que uma hora eu vou embora. Já os outros que têm medo de me encontrar acham que eu vou ficar cravada no coração por um bom tempo, impedindo-os de viver. Isso só acontece se você me permitir, mas é uma opção perigosa que não costuma ser eterna, porque eu vou embora algum dia. Talvez quem fique depois seja o meu companheiro, o amor. Muitas pessoas nos confundem, mas confesso que somos bem diferentes. Tem vezes que eu o apresento, outras vezes ele me apresenta às pessoas e isso acaba causando um mal entendido. Às vezes andamos lado a lado, mas raramente juntos.
Sei que já magoei muitos, mas não foi por mal. Todo mundo passa por isso, é uma das minhas características fazer sofrer. Mas sofrer de paixão faz bem pra alma, é a certeza que vocês têm de que estão vivos e têm a capacidade de amar, tem coisa mais incrível que isso? Vejo alguns de vocês com uns lemas esquisitos de não se apegar a ninguém, de ser uma pessoa fria, arrasadora de corações. Qual é o problema de vocês? Não adianta fugir e achar que podem me controlar porque não vão. Se vocês se adaptarem ao meu estilo de vida vai ser muito mais fácil. Se desapaixonar também é uma arte, tão intensa quanto se apaixonar. Como tudo na vida, você aprende a lidar com a situação. Concordo que dá um pouco de trabalho, mas quando você realmente não me quiser mais ao seu lado eu vou embora, não insisto em algo que não é mais tão proveitoso. Quanto mais rápido eu vier, mais rápido eu vou embora, e a minha saída você pode controlar algumas vezes. Só algumas.
Ando junto com a loucura, com a ausência de pensamento, com o impulso. Faço cegar, ficar à flor da pele, ser sensível. Não gosto do bom senso, gosto de ver vocês perdendo a cabeça. O mais legal é ver tudo isso acontecer e vocês ainda manterem o sorriso pregado no rosto, como se fossem todos bobos. Sei que todos vocês falam mal de mim, mas no fundo sabem que o meu amigo mais próximo é a felicidade e esta sim, anda sempre comigo. Não adianta negar, quando estou com vocês, vocês se sentem completos. Correspondidos ou não, eu tapo um buraco, eu cubro o vazio, eu ilumino o dia. Eu costumo dizer que movo montanhas, faço as pessoas fazerem coisas sem pensar duas vezes. Essa é a maior sensação de liberdade que existe, falar e fazer o que quiser na hora que quiser, sem pensar. É um alívio tão grande dentro de vocês, uma paz interna. Sou uma das únicas coisas que causa esse sentimento nas pessoas e isso sim é uma vida agradável. Vocês, porém, estão sempre em busca da felicidade, ou seja, sempre em busca de mim, porque sou eu quem pode lhes proporcionar isso.
Eu vou ser sempre uma coisa indecifrável, meio louca, diferente de todos os outros estados de espírito, mas é por isso que sou sempre tão temida e desejada, uma coisa fora do comum, porque sou o elemento que está mais perto da magia, que vocês tanto procuram por aí. É mágica. Aparece, e de repente some sem explicação. Sou assim, uma magia.
Um erro grave que vocês cometem falando de mim é falar que eu só vivo entre os humanos. Vocês podem me encontrar em todos os lugares. Estou entre os animais, as plantas, os elementos da natureza, os objetos, os objetivos de vida, os sonhos. Posso fazer vocês se apaixonarem por qualquer coisa que passe alegria. Vocês vão sempre estar cheios de vida enquanto eu estiver por perto e estou sempre voltando para vocês. Sou um parasita, preciso de vocês e do mundo para sobreviver e aplicar minhas funções. Mas sou um parasita do bem, afinal já disse todos os benefícios que eu causo. Trago o amor, o sentido da vida, esse sim é o sentimento mais puro, que não pede nada em troca. Mas ele precisa de mim pra existir, para se propagar por aí. Deu pra entender agora a minha importância?

5 comentários :

Erika disse...

genial!

000 disse...

Como definimos o que seria a paixão? Como eu já disse, o que para mim mais representa a paixão é sofrimento que ela desenvolve no seu fim. Para mim a paixão, devastadora como ela é, mostrou-se muito aquém do que se faz parecer... Não um sentimento natural, não é a pura emoção, mas sim um reflexo das expectativas, dos ideais meramente humanos. Esses ideais fomentadas pela literatura romântica, pelas novelas e assim por diante, mascaram a paixão com o nome de "amor", e a tornam extremamente desejável. Sim, muitos desejam se apaixonar, estar apto a se apaixonar é ter o desejo de encontrar em algo, principalmente alguém, tudo o que falta para si. Mas infelizmente nada/ninguém me completa sozinho. Descobri que aquelas que foram meu objeto de paixão, quando o eram, não se apresentavam para mim honestamente, a culpa não estava com elas, mas sim comigo que, apaixonado, as vi sob uma máscara de perfeição. Talvez se apaixonar seja uma fatalidade do ser humano. Porém, será que poderíamos nos apaixonar verdadeiramente e não por mentiras que criamos? Se sim não haveria porque se desapaixonar, e viveríamos apaixonados por cada segundo de nossas vidas...

Mas contra essa paixão desregrada, falsa, que faz sim julgamentos culturais, tenho um pequeno manifesto, ainda que sucinto demais para a complexidade do assunto:

http://shyboob.blogspot.com/2010/02/desconstrucao-dos-conceitos-e-modelos.html

natália disse...

aaah maah! adorei o texto!

Anônimo disse...

caralho. esse foi o verdadeiro elogio à paixão, totalmente vindo de uma mulher como você.

Caio Abreu disse...

Texto maravilhoso!!!! Muito bom mesmo!!!
;D